Poesia de Manuel Bandeira
Manuel Bandeira possui um estilo simples e direto, embora
não compartilhe da dureza de poetas como João Cabral de Melo Neto, também
pernambucano. Aliás, numa análise entre as obras de Bandeira e João Cabral,
vê-se que este, ao contrário daquele, visa a purgar de sua obra o lirismo.
Bandeira foi o mais lírico dos poetas. Aborda temáticas cotidianas e
universais, às vezes com uma abordagem de "poema-piada", lidando com
formas e inspiração que a tradição acadêmica considera vulgares. Mesmo assim,
conhecedor da Literatura, utilizou-se, em temas cotidianos, de formas colhidas
nas tradições clássicas e medievais. Em sua obra de estreia (e de curtíssima
tiragem) estão composições poéticas rígidas, sonetos em rimas ricas e métrica
perfeita, na mesma linha onde, em seus textos posteriores, encontramos
composições como o rondó e trovas.
É comum encontrar poemas (como o Poética, do livro Libertinagem)
que se transformaram em um manifesto da poesia moderna. No entanto, suas
origens estão na poesia parnasiana.Foi convidado a
participar da Semana de arte moderna de
1922, embora não tenha comparecido, deixou um poema seu (Os Sapos) para
ser lido no evento.
Uma certa melancolia, associada a um sentimento de angústia, permeia sua
obra, em que procura uma forma de sentir a alegria de viver. Doente dos
pulmões, Bandeira sofria de tuberculose e sabia dos riscos que corria
diariamente, e a perspectiva de deixar de existir a qualquer momento é uma
constante na sua obra.
A imagem de bom homem, terno e em parte amistoso que Bandeira aceitou
adotar no final de sua vida tende a produzir enganos: sua poesia, longe de ser
uma pequena canção terna de melancolia, está inscrita em um drama que conjuga
sua história pessoal e o conflito estilístico vivido pelos poetas de sua
época. Cinza das Horas apresenta a grande tese: a mágoa, a
melancolia, o ressentimento enquadrados pelo estilo mórbido do simbolismo tardio. Carnaval,
que virá logo após, abre com o imprevisível: a evocação báquica e, em alguns
momentos, satânica do carnaval, mas termina em plena melancolia. Essa hesitação
entre o júbilo e a dor articular-se-á nas mais diversas dimensões figurativas.
Se em Libertinagem, seu quarto livro, a felicidade aparece em
poemas como "Vou-me embora pra Pasárgada", onde é
questão a evocação sonhadora de um país imaginário, o pays de cocagne,
onde todo desejo, principalmente erótico, é satisfeito, não se trata senão de
um alhures intangível, de um locus amenus espiritual.
Em Bandeira, o objeto de anseio restará envolto em névoas e fora do
alcance. Lançando mão do tropo português da “saudade”, poemas como Pasárgada e
tantos outros encontram um símile na nostálgica rememoração bandeiriana da
infância, da vida de rua, do mundo cotidiano das provincianas cidades
brasileiras do início do século. O inapreensível é também o feminino e o
erótico. Dividido entre uma idealidade simpática às uniões diáfanas e
platônicas e uma carnalidade voluptuosa, Manuel Bandeira é, em muitos de seus
poemas, um poeta da culpa. O prazer não se encontra ali na satisfação do
desejo, mas na excitação da algolagnia do abandono e da perda. Em Ritmo
Dissoluto, seu terceiro livro, o erotismo, tão mórbido nos dois primeiros
livros, torna-se anseio maravilhado de dissolução no elemento líquido marítimo,
como é o caso de Na Solidão das Noites Úmidas. Esse drama
silencioso surpreende mesmo em poemas “ternos”, quando inesperadamente
encontram-se, como é o caso dos poemas jornalísticos de Libertinagem,
comentários mordazes e e sorrateiros interrompendo a fluência ingênua de
relatos líricos, fazendo revelar todo um universo de sentimentos
contraditórios.
Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
(Manuel Bandeira)
Obras:
Poesia
- A cinza das horas, 1917
- Carnaval, 1919
- O ritmo dissoluto, 1924
- Libertinagem, 1930
- Estrela da manhã, 1936
- Lira dos cinquent’anos, 1940
- Belo, belo, 1948
- Mafuá do malungo, 1948
- Opus 10, 1952
- Estrela da tarde, 1960
- Estrela da vida inteira, 1966
Prosa :
- Crônicas da Província do Brasil – Rio de
Janeiro, 1936
- Guia de Ouro Preto, Rio de Janeiro, 1938
- Noções de História das Literaturas – Rio de
Janeiro, 1940
- Autoria das Cartas Chilenas – Rio de Janeiro,
1940
- Apresentação da Poesia Brasileira – Rio de
Janeiro, 1946
- Literatura Hispano-Americana – Rio de Janeiro,
1949
- Gonçalves Dias, Biografia – Rio de Janeiro,
1952
- Itinerário de Pasárgada – Jornal de Letras,
Rio de Janeiro, 1954
- De Poetas e de Poesia – Rio de Janeiro, 1954
- A Flauta de Papel – Rio de Janeiro, 1957
- Itinerário de Pasárgada – Livraria São José –
Rio de Janeiro, 1957
- Andorinha, Andorinha – José Olympio – Rio de
Janeiro, 1966
- Itinerário de Pasárgada – Editora do Autor –
Rio de Janeiro, 1966
- Colóquio Unilateralmente Sentimental – Editora
Record – RJ, 1968
- Seleta de Prosa – Nova Fronteira – RJBerimbau
e Outros Poemas – Nova Fronteira – RJ
Os sapos, poema
de Manuel Bandeira
Enfunando os
papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os
sapos.
A luz os
delumbra.
—
Em ronco
que a terra,
Berra o sapo-boi:
– “Meu pai foi à
guerra!”
– “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”
–
O
sapo-tanoeiro
Parnasiano
aguado,
Diz: — ” Meu
cancioneiro
É
bem martelado.
–
Vede como
primo
Em comer os
hiatos!
Que arte! E nunca
rimo
Os termos
cognatos.
–
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
—
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas…”
–
Urra o sapo-boi:
– “Meu pai foi rei” — “Foi!”
– “Não foi!” — “Foi!” — “Não foi!”
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
– “A grande arte é como
Lavor de
joalheiro.
–
Ou bem de estatutário.
Tudo quanto é
belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no
martelo.”
–
Outros,
sapos-pipas
(Um mal em si
cabe),
Falam
pelas tripas:
–”Sei!” — “Não sabe!” — “Sabe!”
–
Longe
dessa grita,
Lá onde mais
densa
A
noite infinita
Verte a sombra imensa;
–
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau
profundo
E
solitário, é
–
Que
soluças tu,
Transido
de frio,
Sapo-cururu
Da
beira do rio…
– Poemas e poesias
—- O último poema
Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
(Manuel Bandeira)
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